São os indicadores baseados no cash flow (e não nos resultados contabilísticos) que determinam a performance das melhores empresas
A análise financeira tradicional avalia o desempenho das empresas com base em demonstrações financeiras preparadas de acordo com regras contabilísticas que dependem de juízos de valor e que são relativamente fáceis de manipular. Para contornar este efeito, sugerimos a utilização de rácios de fluxos de caixa. São mais objetivos e verdadeiros.
Exemplo: como pode uma empresa lucrativa perder dinheiro?
Considere os seguintes dados empresa de uma empresa que se dedica à compra e venda de calçado:
- A empresa compra cada par de sapatos a €50
- Vende por €65 o par
- Paga a pronto aos seus fornecedores
- Recebe em média a 60 dias dos seus clientes
- Mantém um inventário equivalente a um mês de vendas
- Os custos fixos com salários e rendas são de €10.000 por mês.
Esta empresa iniciou o ano com inventários no valor de €25.000 e um saldo em dívida de clientes de €51.288. Para os cinco primeiros meses do ano, a empresa espera a seguinte atividade:
jan-16 | fev-16 | mar-16 | abr-16 | mai-16 | |
Saldo inicial | 500 | 600 | 700 | 800 | 900 |
Compras | 700 | 800 | 900 | 1000 | 1100 |
Vendas | 600 | 700 | 800 | 900 | 1000 |
Saldo final | 600 | 700 | 800 | 900 | 1000 |
Como se pode compreender rapidamente pela estrutura de investimento em fundo de maneio e pelo rápido crescimento das vendas, esta empresa terá resultados contabilísticos positivos mas fluxos de caixa negativos.
Para quantificarmos estes resultados, vamos assumir que não existem impostos nem outros dados relevantes para o caso.
Assim, durante o período, os resultados contabilísticos seriam:
jan-16 | fev-16 | mar-16 | abr-16 | mai-16 | |
Vendas | 39 000 | 45 500 | 52 000 | 58 500 | 65 000 |
CMV | 30 000 | 35 000 | 40 000 | 45 000 | 50 000 |
Margem | 9 000 | 10 500 | 12 000 | 13 500 | 15 000 |
Custos fixos | 10 000 | 10 000 | 10 000 | 10 000 | 10 000 |
Resultado líquido | -1 000 | 500 | 2 000 | 3 500 | 5 000 |
Como podemos ver, a empresa acumulou €10.000 de resultados contabilísticos durante os primeiros cinco meses do ano.
No entanto, quando analisamos a demonstração de fluxos de caixa, a situação é bem diferente:
jan-16 | fev-16 | mar-16 | abr-16 | mai-16 | |
Resultado líquido | -1 000 | 500 | 2 000 | 3 500 | 5 000 |
Investimento em fundo de maneio | 30 644 | 17 822 | 17 822 | 17 822 | 17 822 |
Fluxo líquido de caixa | -31 644 | -17 322 | -15 822 | -14 322 | -12 822 |
Comparando as duas peças, parece evidente que apesar de a margem ser positiva e de o break-even ser relativamente acessível (a empresa precisa de vender apenas 667 pares de sapatos por mês para cobrir a sua estrutura de custos fixos), graças ao elevado investimento em fundo de maneio que é potenciado pelo crescimento das vendas, a empresa sofre de um défice de tesouraria permanente.
De facto, ao lucro contabilístico de €10.000 corresponde um fluxo líquido de caixa negativo de €91.932.
Isto ocorre porque a demonstração de resultados assume que todas a vendas são transformadas em dinheiro, o que não é o caso.
Esta empresa teria de lidar com os seguintes problemas imediatamente:
- Crescer a um ritmo mais lento
- Renegociar as condições de pagamento a fornecedores
- Reduzir inventários
As regras contabilísticas seguem princípios que não são consistentes com a geração de fluxos de caixa. Nomeadamente, reconhecem determinados gastos que não representam saídas imediatas de dinheiro (como é o caso das perdas por imparidade, das provisões, amortizações e depreciações) e rendimentos que não significam entradas de dinheiro.
Porque algumas destas regras contabilísticas estão sujeitas a juízos de valor, estimativas e cálculos atuariais, a comparação de desempenho entre diversas empresas é dificultada.
Por outro lado, se o desempenho for recompensado com base em indicadores contabilísticos, a tentação dos gestores para manipular estes resultados é grande… Não pretendo alongar-me muito sobre este assunto, que não é o tema deste artigo, mas vi diversas situações como:
- Alteração da vida útil dos bens do ativo fixo e com isso as depreciações
- Compra de mercadorias/ativos e posterior recompra a empresas dos mesmos sócios (não-consolidadas)
- Vendas de mercadorias ou prestação de serviços com pouca ou nenhuma possibilidade de cobrança efetiva a empresas com sócios em comum
- Estabelecimento de políticas de pagamento de fornecimento de matérias-primas totalmente desajustadas das condições normais praticadas no mercado
- Entre várias outras…
Para compensar as limitações dos resultados contabilísticos, muitos gestores estão a voltar-se para métricas baseadas em fluxos de caixa. O mesmo acontece com analistas externos que procuram medir e avaliar o desempenho e o valor das empresas.
Que rácios baseados em fluxos de caixa usar?
Partindo do princípio que a empresa dispõe da demonstração de fluxos de caixa, calculada pelo método indireto ou pelo método direto e que ajustou as suas demonstrações financeiras para análise financeira, os seguintes são alguns dos rácios que poderá usar para avaliar a sua rentabilidade e capacidade para remunerar a dívida:
- Rendibilidade de caixa dos capitais investidos: Compara os fluxos de caixa operacionais com os capitais investidos. Procura evidenciar a capacidade da empresa gerar fluxos de caixa a partir da sua atividade “core business” em função dos capitais nela investidos,
- Rendibilidade operacional de fluxos: Calcula a proporção dos fluxos operacionais no total de recebimentos operacionais. Este rácio indica se a empresa está efetivamente a ser capaz de transformar recebimentos de clientes em fluxos de caixa operacionais. Se o rácio for baixo pode indiciar que a empresa tem de suportar elevados montantes de investimento de substituição para funcionar ou, de outro modo, grandes exfluxos com pagamentos a fornecedores .
- Rendibilidade líquida de fluxos:Calcula a proporção dos meios disponíveis para decisões estratégicas no total de recebimentos operacionais.
- Cobertura do serviço da dívida: Compara o fluxo de caixa operacional com o serviço da dívida. Se calculado numa base anual, indica quantos anos são necessários para pagar a dívida aos credores com fluxos de caixa operacionais.