As decisões sobre atribuição de crédito comercial são das mais importantes que um gestor financeiro pode tomar. Desde não atribuir qualquer crédito a clientes, e com isso não se expor a qualquer risco de cobrança, até à definição de critérios e condições de atribuição de crédito, estas decisões têm um impacto significativo nos resultados que, em muitos casos são determinantes para o fracasso ou sucesso da empresa. Ainda assim, é impressionante verificar que muitas empresas não possuem métodos de análise financeira específicos para a atribuição de crédito comercial.

Atribuir ou não atribuir crédito a clientes

Antes de abordarmos os métodos de análise financeira que dão tema a este artigo, pensemos primeiro em duas questões fundamentais:

1. Porquê atribuir crédito a clientes?
2. Qual o impacto do incumprimento das condições de crédito?

A primeira questão raramente é colocada de forma tão direta. Quando é colocada. Na minha experiência, verifiquei muitas vezes que as empresas atribuem crédito comercial porque todas no seu setor o fazem. Como tal, parece óbvio que o façam também sem questionarem o modelo de negócio adotado pelos seus concorrentes.

Se a prática de atribuição de crédito comercial está instalada no mercado, raramente é questionada. No entanto, em situações em que o cliente se interessa mais pelo crédito do que pelo produto ou serviço que a empresa oferece, isso revela à partida um modelo de negócio fragilizado e pouco diferenciador. O cliente saltará rapidamente de um fornecedor para outro se as condições de crédito ou o preço lhe forem mais vantajosos.

Por vezes o cliente esgotou o limite de crédito junto de um outro fornecedor ou entrou em incumprimento, e tenta fazer o mesmo connosco.

Por outro lado, se a proposta de valor oferecida pela empresa puder contar com outros elementos diferenciadores, não vejo porque não colocar a hipótese de não atribuir crédito comercial. Porque não trocar a atribuição de crédito comercial por outros atributos da proposta de valor? Aqui ficam alguns dos meios de troca disponíveis:

• Oferta da instalação do produto;
• Adaptação do produto aos requisitos específicos do cliente;
• Extensão do prazo de garantia;
• Serviço de entrega personalizado ou mais rápido;
• Embalagem personalizada.

Este tipo de questões exige um nível de conhecimento profundo do custo da atribuição de crédito. Esse custo pode ser decomposto nos seguintes membros:

1. O custo financeiro, que decorre do aumento do prazo médio de recebimentos, gerado pela atribuição do crédito. Conhecendo o custo médio ponderado do capital (WACC), podemos estimar este custo facilmente. Por exemplo, supondo que o WACC é de 11% e se o prazo médio de recebimentos aumentar 30 dias por via da atribuição de crédito, então um saldo de contas a receber de €100.000 custará cerca de €916 por ano.
2. O custo de incumprimento. Este custo é decorrente do incumprimento de alguns clientes. Nos casos em que o cliente não paga, a empresa terá de reconhecer a perda total do saldo a esses clientes. Então, assumindo o mesmo saldo de contas a receber de €100.000, se 3% dos clientes entrarem em incumprimento, isso representará um custo de €3.000.

Além destes custos, há que considerar também os custos de estrutura. A empresa necessita de uma estrutura humana para tomar as decisões de atribuição de crédito a clientes, assim como de recuperação de crédito vencido. Muitas empresas empregam várias pessoas apenas para fazer cobranças a clientes enquanto outras subcontratam este tipo de serviços. Em todo o caso, existe sempre um custo significativo com os salários destas pessoas e de todo o tipo de custos adicionais: telefonemas, correios, papel, material de escritório, instalações, etc.

Todos estes recursos poderiam ser utilizados em atividades produtivas.

Que análise financeira fazer para a atribuição de crédito comercial?

Voltando ao tema central deste artigo, que indicadores devemos analisar se optarmos pela atribuição de crédito comercial?

Sugerimos os seguintes, que poderão servir de base à elaboração de um sistema de scoring de apoio à decisão:

• Grau de liquidez geral/reduzida/imediata: estes rácios fornecem uma visão da capacidade da empresa pagar as suas dívidas de curto/médio prazo e são fundamentais para aferir a viabilidade de uma decisão de atribuição de crédito;
• Autonomia financeira: com base na análise da estrutura financeira da empresa saberemos se está pouco ou muito endividada no momento em que requer a atribuição de crédito. A análise destes rácios financeiros permite saber se a empresa tem alguma margem para aguentar um impacto negativo ainda que temporário ou se, pelo contrário, está no limite da sua capacidade de endividamento;
• Indicadores de funcionamento: a análise do fundo de maneio da empresa é um ótimo indicador da sua eficiência. Este tipo de rácios fornece uma visão sobre a capacidade da empresa gerir os seus inventários, cobrar eficazmente dos seus clientes e de se financiar junto dos seus fornecedores.
• Rácios de rentabilidade: com base nos rácios de rentabilidade, principalmente do retorno do capital investido, podemos saber se a empresa é competitiva ou não. Esta é uma questão central na decisão de atribuição de crédito.

Além dos critérios financeiros, é importante adotar critérios não-financeiros no processo de tomada de decisão:

• Qual a reputação da empresa requerente? Já teve alguma situação de incumprimento?
• O que dizem sobre ela os seus fornecedores e bancos?
• Tem a sua situação fiscal regularizada ou existe algum sinal de alerta?
• Quem são os seus sócios e qual o seu historial?

Há vários outros elementos a ter em conta na construção de um modelo de decisão de atribuição de crédito. Acima de tudo, julgo que este tipo de decisões deve ser sempre suportada por um sistema robusto e à medida de cada empresa.