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11 November 2016
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O modelo de fluxos de caixa descontados – aplicado no mundo real à avaliação de uma PME

A história que se segue demonstra bem como algumas das ferramentas da gestão financeira moderna são de difícil aplicação no mundo real. Recentemente, fui chamado a calcular o valor de uma pequena empresa, um website com uma loja online e receitas de publicidade, e vi-me confrontado com a dificuldade de calcular o custo do capital, a criação de valor, a rentabilidade do capital investido e outros parâmetros fundamentais para executar devidamente este trabalho. Sem dispor da informação, em particular a informação de mercado, como aplicar o modelo de fluxos de caixa descontados que teria de usar?

O modelo de fluxos de caixa descontados – aplicado no mundo real

De acordo com este modelo, o valor de uma empresa é calculado adicionando-se todos os fluxos de caixa futuros descontados para o momento presente a uma taxa de custo do capital.

Se os fluxos de caixa a considerar forem os disponíveis para os acionistas – e neste caso consideramos as disponibilidades depois de reinvestimento em ativo fixo e fundo de maneio e de pago o serviço da dívida – o desconto deverá ser feito à taxa de custo de capital próprio.

Se, pelo contrário, utilizarmos o free cash flow para a empresa, então podemos partir do resultado operacional líquido de impostos e subtrair o investimento em fundo de maneio e ativo fixo para o calcular e, neste caso, o desconto terá de ser feito à taxa de custo médio ponderado do capital. O custo médio ponderado de capital, designado originalmente por Weighted Average Cost of Capial (WACC) reflete a estrutura de capital da empresa e incorporar o nível de risco associado à mesma.

Quanto mais elevado for o nível de risco, maior será a taxa de custo do capital a que descontaremos os fluxos de caixa estimados para o futuro. Independentemente dos fluxos de caixa a utilizar serem os disponíveis para os acionistas (neste caso, o sócio) ou para a empresa.

Até aqui, os princípios de finanças aplicados a empresas grandes e/ou cotadas parecem sólidos e aplicáveis a uma empresa de pequena dimensão.

Mas o problema surge quando esbatemos na própria noção de fluxo de caixa para uma empresa deste tipo. Analisando as contas da empresa, não foi difícil perceber que vários ajustes às contas seriam necessários para refletir a realidade operacional da mesma.

Se, por um lado, as demonstrações financeiras espelhavam com rigor o “core business” da empresa, com poucos ou nenhuns ativos financeiros ou detidos para negociação.

Por outro, encontrei rapidamente os seguintes problemas:

  • O proprietário da empresa auferia um vencimento muito inferior ao que auferiria em condições normais de mercado, o que do ponto de vista meramente financeiro proporcionava um fluxo de caixa mais elevado do que seria de esperar caso a empresa fosse vendida,
  • Algumas despesas operacionais poderiam ser consideradas como remunerações. Talvez para justificar o baixo salário, encontramos despesas de representação e com deslocações e estadas que não deveriam ser classificadas como tal,
  • O enquadramento fiscal da empresa a vender era significativamente diferente do enquadramento fiscal do novo dono.

Estes problemas deram origem a uma série de ajustes às demonstrações financeiras e consequentemente à determinação do cash flow do ano base (o atual) e dos anos futuros. Não é possível tipificar este tipo de correções e para que pudéssemos converter a empresa “como está” no modelo que “deveria estar” para o adquirente, foi necessária muita luta.

Os cash flows ajustados refletem com mais rigor a verdadeira rentabilidade do capital investido e a sua relação com o crescimento esperado com este negócio.

O cálculo do custo do capital

Até esta fase lidamos com informação relativamente objetiva e de fácil classificação. Mas a determinação do custo médio ponderado de capital é mais difícil de calcular porque lida com conceitos mais subjetivos, como o risco e a sua relação com o retorno exigido pelos investidores.

Não vou detalhar questões como o nível de diversificação do investidor em causa, que têm um impacto significativo na determinação do nível de risco deste projeto, mas sabendo que o atual proprietário concentra uma boa parte do seu capital (financeiro e humano) na empresa que pretende vender e que o adquirente é significativamente mais diversificado, optei por assumir que não seria necessário ajustar o custo do capital próprio ao seu nível de diversificação.

Em todo o caso, tentando aplicar o modelo Capital Asset Pricing Model (CAPM), que longe de ser perfeito é o que melhor se adapta ao tipo de avaliação que pretendemos efetuar, partimos de uma taxa isenta de risco. Optámos por usar a yield das Obrigações do Tesouro (OT) a 10 anos, que atualmente se cifra em 3,45%.

É questionável se esta taxa é realmente isenta de risco na atual conjuntura, mas comparando-a com a de países próximos como Espanha (1,44%), Itália (1,97%) e noutro extremo a Grécia (7,30%), achámos que não faria sentido elevá-la além do seu valor.

A estimativa do beta é mais difícil. Ainda questionei se deveria tentar correlacionar os resultados financeiros históricos da empresa com o mercado como um todo, mas tendo em conta que esse trabalho exigiria mais tempo e recursos do que o benefício que poderia proporcionar, que não seria de esperar um elevado nível de correlação tendo em conta os ajustes atrás referidos que teriam de ser aplicados também ao passado da empresa e que apenas dispomos de informação anual, porque não usar uma abordagem “de cima para baixo” e partir do “beta desalavancado” para o setor em questão e procurar ajustá-lo para:

  • A estrutura de capital da empresa, através do seu rácio debt-to-equity
  • O fator “pequena dimensão”, mais subjetivo, mas necessário para incorporar o nível de risco associado a uma pequena empresa.

Assim, parti da análise de Damodaran para chegar ao beta desalavancado do setor em causa (material de escritório), isto é o beta da média das empresas desse setor calculado para uma estrutura de capital sem dívida. Cheguei ao valor de 1,22.

A este valor apliquei:

  • O rácio debt-to-equity, que é atualmente de 30% (e se prevê que se mantenha neste nível no futuro);
  • A taxa efetiva de imposto de 25%.

Resumidamente, efetuei o seguinte cálculo para o beta:

1,22*(1+(1-25%)*30%) = 1,49

Assim, determinei o custo do capital próprio da seguinte forma:

  • Taxa isenta de risco: 3,45%
  • (+) beta * prémio de risco de mercado: 1,49*5%
  • (+) fator “small cap”: 3%
  • (=) Custo do capital próprio: 13,92%

Olhando criticamente para este valor, pareceu-me inicialmente um pouco baixo, mas decidi avançar com a avaliação da empresa em todo o caso, tendo em conta que o adquirente é uma empresa de maior dimensão e mais diversificada, como referi anteriormente. Creio que para o atual proprietário, o custo do capital próprio será bastante superior.

Em relação ao custo do capital alheio, analisando as demonstrações financeiras da empresa cheguei ao valor contabilístico de 7,5% antes de impostos, o que me pareceu elevado tendo em conta o atual contexto de descida de taxas de juro de mercado e o baixo nível de endividamento.

Assim, para o nível de risco desta empresa, medido pelo elevado índice de cobertura dos juros pelo EBTIDA, determinei que o custo de capital alheio “de mercado” antes de impostos se situa nos 5,50%. Este é um valor um pouco acima do valor atual da taxa de juro das obrigações de empresas portuguesas de dimensão média e com um elevado nível de risco.

Estes cálculos permitiram chegar finalmente ao valor do custo médio ponderado do capital, conforme imagem abaixo:

dcf

Há vários outros desafios à avaliação de pequenas e médias empresas no mundo real que a teoria financeira moderna não consegue ainda responder. Se é verdade que os seus princípios são válidos para todo o tipo de empresas, independentemente da sua dimensão, também é verdade que continuamos a ver muita ambiguidade em processos de fusão, aquisição ou mero trespasse de PME.

Espero que este breve resumo deste projeto o tenha ajudado, aguardarei os seus comentários e opiniões.


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