Até que ponto pode uma empresa crescer de forma financeiramente sustentável?
A taxa de crescimento sustentável indica qual a taxa máxima a que uma empresa pode crescer o seu volume de negócios sem alterar significativamente as suas políticas financeiras ou modelo de negócios. Quando utilizada para análise financeira é uma ferramenta que diz aos gestores que variáveis determinam o crescimento da empresa e quando utilizada em funções de planeamento financeiro pode orientar a tomada de decisões futuras.
O que é a taxa de crescimento sustentável?
O conceito de taxa de crescimento sustentável foi desenvolvido por Robert C. Higgins e indica a que taxa de crescimento pode uma empresa ambicionar recorrendo a fundos gerados internamente e sem alterar o seu modelo de negócio.
Suponha que está a gerir uma empresa que se dedica ao fornecimento de calçado através de lojas especializadas em centros comerciais. Para funcionar, a empresa necessita de um determinado volume de inventários (em média, o equivalente a 45 dias de vendas). Além disso, concede crédito comercial aos seus clientes sendo o saldo médio de valores a receber cerca de 60 dias de vendas. Por outro lado, os fornecedores, na sua maioria, exigem o pagamento a pronto ou dentro de um mês.
Como já deve ter percebido, esta empresa necessita de investir no seu fundo de maneio para funcionar. A sua estrutura de ativos e passivos cíclicos assim o exige.
Assim, se esta empresa identificar uma oportunidade de investimento atrativa, como a expansão da área de venda de uma loja existente ou a aquisição de uma nova loja, por exemplo, ela terá de encontrar uma forma de financiar o crescimento.
O que a taxa de crescimento sustentável indica é até que ponto pode esta empresa crescer sem incorrer em problemas de liquidez e sem alterar o seu modelo de negócio.
Em rigor, o modelo desenvolvido por Higgins, pressupõe que os seguintes parâmetros têm de se manter estáveis para funcionar:
- Estrutura de financiamento estável. A relação entre dívida financeira e capital próprio tem de se manter inalterada ao longo do período em análise. Isto significa que a empresa não pode alterar a sua política de financiamento, recorrendo a mais ou menos dívidas para financiar o seu capital investido.
- Taxa de retenção de resultados fixa. A proporção dos lucros que são distribuídos aos acionistas (dividendos) não se pode alterar ao longo do tempo.
- A taxa de rotação do ativo é constante. Ou seja, o rácio entre volume de negócios e ativo não se altera, o que significa que se existir crescimento do volume de negócios, a empresa terá de reforçar o investimento em ativo fixo e em necessidades de fundo de maneio na mesma proporção.
Existem diversas forma de calcular a taxa de crescimento sustentável. Uma das mais simples e que devolve exatamente o mesmo valor das outras é a que pode ser obtida a partir da seguinte expressão matemática:
Em que:
- g* é a taxa de crescimento sustentável
- RCP é a rentabilidade dos capitais próprios (que pode ser obtida dividindo os resultados líquidos do exercício pelo capital próprio)
- d é o dividend pay out ou a proporção de lucros que são distribuídos sob a forma de dividendos.
Outra forma, menos simples, de determinar a taxa de crescimento sustentável que tem a vantagem de oferecer mais informação interessante é a que resulta da seguinte expressão:
Em que:
- g* é a taxa de crescimento sustentável
- p é a margem líquida (que pode ser calculada dividindo os resultados líquidos pelo volume de negócios)
- d é o dividend pay out ou a proporção de lucros que são distribuídos sob a forma de dividendos
- L é o rácio debt to equity que se determina dividindo a dívida pelo capital próprio
- A é o inverso da rotação do capital e pode ser calculado dividindo o capital investido pelo volume de negócios.
Aplicando a taxa de crescimento sustentável na prática
A mesma empresa que usamos como exemplo há pouco, apresentou os seguintes dados financeiros no ano de 2015:
Demonstração de resultados | |
Volume de negócios | 100 000 |
Gastos operacionais | 75 000 |
Resultados operacionais | 25 000 |
Juros e outros gastos financeiros | 1 250 |
Resultados antes de impostos | 23 750 |
Impostos sobre lucros | 8 313 |
Resultados líquidos | 15 438 |
Dividendos | 5 403 |
Balanço | |
Ativo fixo | 90 000 |
Necessidades fundo de maneio | 105 000 |
Disponibilidades | 5 000 |
Capital investido | 200 000 |
Capital próprio | 133 333 |
Dívida | 66 667 |
Capital obtido | 200 000 |
A empresa está a avaliar diversas oportunidades de investimento na expansão da sua atividade. Como o balanço é sólido (e a empresa pretende mantê-lo assim), os gestores querem evitar o crescimento a todo o custo. Especificamente, mostram-se relutantes em alterar as suas políticas financeiras relacionadas com:
- A taxa de distribuição de dividendos. Vários são os investidores que apostaram nesta empresa contando com um dividendo anual de 35% dos lucros.
- Aumentos de capital. Se a empresa necessitar de aumentar o seu capital para financiar o crescimento, os acionistas sofrerão o efeito de diluição do valor das ações.
A que taxa pode esta empresa crescer em 2016 e 2017 sem afetar as referidas políticas financeiras?
Aplicando as fórmulas que vimos acima, teríamos:
Que resulta numa taxa de crescimento sustentável do volume de negócios de 8,14%.
Aplicando esta taxa de crescimento para os anos 2016 e 2017 por forma a não alterar as políticas financeiras, a empresa poderia realizar o seguinte planeamento das demonstrações financeiras:
Demonstração de resultados | 2015 | 2016 | 2017 |
Volume de negócios | 100 000 | 108 140 | 116 943 |
Gastos operacionais | 75 000 | 81 105 | 87 707 |
Resultados operacionais | 25 000 | 27 035 | 29 236 |
Juros e outros gastos financeiros | 1 250 | 1 352 | 1 462 |
Resultados antes de impostos | 23 750 | 25 683 | 27 774 |
Impostos sobre lucros | 8 313 | 8 989 | 9 721 |
Resultados líquidos | 15 438 | 16 694 | 18 053 |
Dividendos | 5 403 | 5 843 | 6 319 |
Balanço | |||
Ativo fixo | 90 000 | 97 733 | 106 095 |
Necessidades fundo de maneio | 105 000 | 113 547 | 122 790 |
Disponibilidades | 5 000 | 5 000 | 5 000 |
Capital investido | 200 000 | 216 280 | 233 885 |
Capital próprio | 133 333 | 144 184 | 155 919 |
Dívida | 66 667 | 72 096 | 77 966 |
Capital obtido | 200 000 | 216 280 | 233 885 |
Assim, durante este período, os seguintes rácios financeiros confirmam a estabilidade das políticas financeiras, mantendo a estrutura da dívida, a taxa de distribuição de dividendos, a rotação do ativo e a margem líquida das vendas. Teríamos para os três anos:
- Rentabilidade dos capitais próprios: 11,58%
- Payout ratio: 35%
- Rentabilidade líquida das vendas: 15%
- Debt-to-equity: 50%
- Rotação de capital investido: 50%.
O que aconteceria se a empresa prever crescer o seu volume de negócios a 20% por ano?
Nesse caso, para fazer face ao aumento das necessidades de investimento em fundo de maneio e em ativo fixo e para não ter de recorrer a aumentos de capital (nem baixar a taxa de distribuição de dividendos), a empresa teria de aumentar significativamente a sua dívida.
As demonstrações financeiras, neste caso, poderiam ser planeadas da seguinte forma:
Demonstração de resultados | 2015 | 2016 | 2017 |
Volume de negócios | 100 000 | 120 000 | 144 000 |
Gastos operacionais | 75 000 | 90 000 | 108 000 |
Resultados operacionais | 25 000 | 30 000 | 36 000 |
Juros e outros gastos financeiros | 1 250 | 1 776 | 2 410 |
Resultados antes de impostos | 23 750 | 28 224 | 33 590 |
Impostos sobre lucros | 8 313 | 9 878 | 11 756 |
Resultados líquidos | 15 438 | 18 345 | 21 833 |
Dividendos | 5 403 | 6 421 | 7 642 |
Balanço | |||
Ativo fixo | 90 000 | 109 000 | 131 800 |
Necessidades fundo de maneio | 105 000 | 126 000 | 151 200 |
Disponibilidades | 5 000 | 5 000 | 5 000 |
Capital investido | 200 000 | 240 000 | 288 000 |
Capital próprio | 133 333 | 145 258 | 159 449 |
Dívida | 66 667 | 94 742 | 128 551 |
Capital obtido | 200 000 | 240 000 | 288 000 |
Repare-se no entanto na evolução do rácio debt-to-equity:
Como vemos, aumenta de 50% para 81% entre 2015 e 2017. Valerá a pena crescer nestas condições? Qual a rentabilidade do capital investido e como se compara com o custo médio ponderado de capital a partir destes pressupostos?
Crescer é um objetivo estratégico para muitas empresas. No entanto, o crescimento não deve ser perseguido a qualquer custo. Se a empresa não for capaz de obter uma rentabilidade do capital investido superior ao seu custo, não estará a criar mas a destruir valor.